“SE OS MINISTROS MORASSEM NO MUCEQUE”

O ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, Manuel Homem, exortou hoje a classe jornalística a manter firme a tradição, participação e merecimento nos prémios que “o país tem vindo a conquistar”.

O ministro falava durante o acto de homenagem e entrega dos certificados de vencedor e menção honrosa aos jornalistas angolanos que participaram no Prémio SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral) de Jornalismo edição 2021.

A cerimónia que decorreu no Palácio das Comunicações, em Luanda, serviu para a entregue de um certificado de mérito ao jornalista, José Luís Mendonça, vencedor do Prémio SADC de Jornalismo na Categoria de Imprensa.

Na ocasião, o jornalista da Rádio Nacional de Angola, Etelvino Domingos e Nkula Zau da Televisão Pública de Angola foram homenageados com certificados de reconhecimento na condição de finalistas ao Prémio SADC de Jornalista edição 2021.

O anúncio dos vencedores foi feito, em Lilongwe, Malawi, à margem da 41″ Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo, pelo secretariado da organização regional.

O trabalho de José Luís Mendonça, que obteve 79.5 pontos da avaliação geral, numa escala de 100, foi publicada em 18 de Dezembro de 2020, pelo portal de internet “Nováfrica Notícias Globais”.

O tema, reunido em 1.645 palavras, debruça-se sobre uma questão fundamental, de promoção da integração regional, numa perspectiva puramente cultural e civilizacional e levanta a problemática do mapa geopolítico da SADC, composto por regiões linguísticas de matriz europeia, que provoca como diz o próprio autor “uma crise de comunicação cultural entre os Estados da região”.

Para José Luís Mendonça a verdade não prescreve. Dúvidas? Vejamos o que ele disse, em entrevista recente (24.10.2021) ao Jornal de Angola sobre o seu abandono da União dos Escritores Angolanos (UEA):

«Eu abandonei a UEA, e não entro no seu quintal sequer, porque um meu irmão, Zacarias Musangu, guarda daquela associação foi torturado até à morte numa esquadra da Polícia no Cassequel. Foi acusado pelo chefe da polícia de ter roubado a placa de uma viatura estacionada na UEA. Durante o dia. E foi raptado pelo chefe da esquadra do Cassequel, porque se a autoridade leva detido um cidadão, sem mandado de captura, está a violar a Constituição e Lei Penal. Está a violar um direito fundamental do cidadão. É rapto. E o meu irmão ficou lá detido três dias e não apareceu nenhum procurador da PGR, nem advogado.

«Estes só apareceram um mês depois da morte da Zacarias Musangu, porque eu, que estive fora na altura da detenção e morte do meu irmão, no meu regresso fiz um certo “barulho”, na minha coluna do Jornal de Angola. Só assim é que entraram em cena uma procuradora e o advogado da UEA. Para fazer nada. Simplesmente para consolidar a “pureza” da autoridade policial. Mas nunca se provou que Zacarias foi realmente culpado. Neste caso, como Zacarias esteve sob custódia do Estado, o Estado, através da PGR ou do Ministério do Interior, tem a obrigação de indemnizar a viúva e os quatro filhos do meu irmão Musangu. Só depois dessa indemnização é que talvez eu entre na UEA. A indemnização deve atingir a soma de 80 milhões de kwanzas. O Estado deve pagar 80 milhões de kwanzas, 40 milhões pelo nojo da viúva, para ela acabar a casa que o marido não concluiu e uma espécie de compensação pela perda irreparável da vida do seu marido. Dez milhões para cada filho órfão, para continuarem os estudos e se formarem.

«Quando eu regressei do exterior, em 2018, e sugeri a tal moção dirigida ao Ministério do Interior, de repúdio pela morte sem necessidade de um homem sem culpa provada, a direcção da UEA insurgiu-se contra mim. Eu não ponho os meus pés na UEA, porque, segundo a nossa tradição, o meu irmão virou Kanzumbi, quando por lá passo, vejo-o a chorar lágrimas de sangue no parque de estacionamento onde foi detido pela Polícia. Enquanto não se fizer justiça para com a viúva e os filhos (indemnização do Estado), ele lá estará a chorar, já não pela própria morte, mas pela sorte da mulher e dos filhos.»

Em Junho de 2019, o Folha 8 pediu a algumas personalidades que nos dissessem o que pensavam sobre o nosso trabalho. No seu depoimento, José Luís Mendonça começou por dizer: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Mateus 4:4)”.

Eis o depoimento de José Luís Mendonça

«O jornal Folha 8 é o mais pequeno periódico informativo angolano, pelas suas dimensões de micro jornal. No entanto, pelos seus conteúdos, é, provavelmente, o maior jornal privado surgido na era da independência que se mantém invicto desde a sua fundação em 1995, sempre apostado na luta contra a grande injustiça. Que se mantém invicto numa estrada cheia de ameaças várias e perigos evidentes que levaram outros jornais à extinção.

A história do Folha 8 é, portanto, uma história de sucesso informativo, de luta pela dignidade da classe sem voz, e de coragem jornalística, que honra a história da Comunicação Social angolana, pois representa e mantém vivo o ideal não continuado de congéneres como Imparcial Fax, Semanário Angolense, Angolense e alguns outros, ofuscados pela vã glória de impor ao povo angolano um sistema político feudal e anacrónico que deixará, por longos anos, marcas de instabilidade social, não só nas famílias da plebe, mas até nas famílias dos intelectuais proletários, a quem nunca foi permitido ascender à categoria de classe média.

«Vinte e quatro anos passados sobre a sua fundação, sinto-me honrado por ter pertencido um dia, embora de forma efémera, ao naipe dos colaboradores desse projecto informativo surgido quando ainda a guerra fratricida campeava no país e, portanto, a liberdade de expressão ainda era assunto tabu.

Vinte e quatro anos depois do início dessa séria aventura informativa que já provocou dissabores judiciais ao seu fundador, William Tonet, cumprimento de kandando forte o William com o seu chapéu tradicional na cabeça, e congratulo-me pelo esforço sempre renovado da sua equipa de redacção.

O Folha 8 continua uma pequena folha e continua uma grande página informativa, que não esquece a Cultura, a alma de uma Nação, um aspecto, para nós, homens de cultura, muito crucial no campo da Comunicação Social.

Espero que o William Tonet saiba preparar o herdeiro à altura de conservar este património informativo, para que, passados outros vinte, trinta, quarenta ou cinquenta anos, o Folha 8 continue vivo, renovado e actuante, mesmo que nós, desta geração de alma estilhaçada pelas bombas da prolongada guerra e pelas bombas do assédio político-administrativo, já não façamos parte deste mundo.

À direcção e à equipa editorial, sugiro que estude formas de, nesta era dita de abertura, obter apoios do ministério da Comunicação Social para a renovação da apresentação do jornal (imagética), copy desk, Cultura Nacional e destaque da semana e a sua inserção diária num espaço online, com mais flashes informativos nacionais sobrepostos à grande marca opinativa deste jornal.

Apoios de outras fontes são igualmente imprescindíveis para melhorar a circulação e distribuição, sempre conotada com a revisão do custo de capa, para o tornar acessível ao bolso daqueles que mais ousa defender.`»

Nota: “Se os ministros morassem no muceque” é o título de um dos romances de José Luís Mendonça.

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